sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Os olhos lhe ocupou o sono aceito


Os olhos lhe ocupou o sono aceito

Canto IV
Estando já deitado no áureo leito,
Onde imaginações mais certas são,
Revolvendo contino no conceito
De seu oficio e sangue a obrigação,
Os olhos lhe ocupou o sono aceito,
Sem lhe desocupar o coração;
Porque, tanto que lasso se adormece,
Morfeu em várias formas lhe aparece.


Estou no carro a caminho de casa, pela frente tenho uma viagem de uma hora e meia, se tudo correr pelo melhor.
É de noite. Comigo, além dos objectos, vai a angústia de deixar as pessoas e o local de que tanto gosto, que posso fazer?! Olhar para as estrelas? “Os olhos lhe ocupou o sono aceito”! Opto por olhar para as estrelas, como habitualmente costumo fazer, pois esta noite estão milhares delas no céu e cada uma é mais bonita que a outra, pela cabeça milhares de pensamentos se misturam e cada um tenta captar a minha atenção, ser o eleito, dos milhares apenas um se sobressaí, porque “sem lhe desocupar o coração” este tem a sua importância e sentimentos.
É o chegar ao largo e por entre as árvores do jardim ver a porta da taberna aberta e sei que estou ansiosa por entrar por elas e encontrar o meu avô Lino atrás do balcão e abraçá-lo, sentir o seu cheiro, o seu próprio cheiro misturado com um ligeiro cheiro a suor nada incomodativo, até pelo contrário, com o cheiro da espuma de barbear, ouvir o seu rir enquanto lhe beijava as bochechas já magras, sentir o tremer do seu corpo enquanto me abraça, ver o seu sorriso “trident” por mim apelidado. “Os olhos lhe ocupou o sono aceito”! Tão maravilhosa lembrança, tal como Vasco da Gama durante a sua viagem também ele mil pensamentos tinha, e “os olhos lhe ocupou o sono aceito”.
A imagem que nunca irei esquecer é o seu sorriso e a maneira como ele soava enquanto me contava as anedotas ou de quando jogava ao “trinta e um” comigo e o meu irmão na taberna, a maneira como me olhava e se ria quando eu "palermamente" desfilava com roupas sobrepostas enquanto ele jantava. E ouvir a sua voz juntamente com os amigos, que iam a noite à taberna e cantavam “Às quatro da madrugada o passarinho cantou, cantando lindas cantigas à porta da sua amada…”; o seu último Natal e o meu melhor Natal acompanhada pelos meus avós, primos, pais e tios, nesse Natal rimos e falámos durante toda a noite.
O mais doloroso delas foi ver o seu último sorriso feito com toda a sua força só para as suas duas netas, na última vez que nos via e na manhã seguinte ouvir chorar e descobrir que os seus “ olhos lhe ocupou o sono aceito” para nunca mais desocupar, sentir a pele fria quando lhe toquei pela última vez e só ouvir ecoar o seu riso na minha cabeça.
Agora estão a chamar-me, as imagens estão a desvanecer-se, estou a acordar e ainda vou a meio caminho está na hora de fazer uma pausa para esticar as pernas, porque a próxima vez que sair do carro é para me encaminhar para casa e esperar pela próxima viagem.
Como Vasco da Gama também eu imagens e recordações tenho na minha cabeça. Os olhos lhe ocupou o sono aceito” ... “sem lhe desocupar o coração”.

Maria Rocha nº12-12ºA

Um comentário:

Anônimo disse...

Tal como tu, também eu perdi uma pessoa querida, há já algum tempo... E se "os olhos lhe ocupou o sono aceite", também "a branca areia as lágrimas banhavam"...