terça-feira, 14 de outubro de 2008

Com doce voz está subindo ao céu


Canto X
Com doce voz está subindo ao céu
Altos varões que estão por vir ao mundo,
Cujas claras ideias viu Proteu
Num globo vão, diáfano, rotundo,
Que Júpiter em dom lho concedeu
Em sonhos, e despois no reino fundo,
Vaticinando, o disse, e a memória
Recolheu logo a Ninfa a clara história.


Tinha quatro anos. Estava sentada no sofá, provavelmente até estava à bulha com a minha irmã, quando deu no telejornal a apresentação dum bailado russo, que, chamou a minha atenção, a atenção que tinha para as barbies, nenucos, barriguitas, toda essa atenção se centrou naquele momento nas bailarinas que apareciam na televisão, deslizando em cima de sapatilhas de ponta, como uma estrela que com doce voz está subindo ao céu! Corri para a cozinha para junto da minha mãe, pedi-lhe ou talvez supliquei para me inscrever nas aulas de ballet. Assim ficou prometido. No dia a seguir fomos ao ginásio aqui da zona e assim fiquei inscrita nas aulas de ballet. Estava feliz. Ia experimentar algo diferente, algo que cativou a minha atenção, a atenção de uma criança de quatro anos.
Já tinham passado 4 anos desde que eu estava no ballet, estava agora a acabar a escola primária. As provas de aferição já tinham decorrido e agora eu ia entrar para o 5º ano, mas sempre com o meu grande sonho de ser bailarina a acompanhar-me. A minha mãe teve a ideia de me inscrever na Escola Nacional de Dança do Conservatório Nacional. Teria que fazer uma audição para entrar no conservatório. Estava com um pouco de receio, por um lado só me apetecia ir a correr para o conservatório para deslizar em cima das sapatilhas de ponta, das mesmas sapatilhas de ponta que tinha visto na televisão há quatro anos, mas por outro lado não queria deixar os meus colegas de turma. Chegou o dia da audição, tremia dos pés à cabeça. Ia muito bem penteada, com um maillot cor de rosa a condizer com as meias pelo tornozelo, acompanhadas com umas sapatilhas de meia-ponta. Ouvi o meu nome, corri escada acima para o estúdio. Assim que entrei deparei-me com um júri constituído por quatro pessoas e umas dez meninas que tinham a mesma cara de aflição e ansiedade que eu. O pianista tocou delicadamente com os seus dedos nas teclas do piano e começou a tocar uma música tão bonita e mágica, que toda a minha ansiedade, todo o meu nervosismo voou para bem longe daquele estúdio, daquele prédio no Bairro Alto, e me deixou a mim, só, com umas sapatilhas e uma música à espera de ser dançada. Comecei a dançar, leve, solta, tão encantada com aquele piano, aquele pianista, que nem se ouvia o barulho do meu corpo a cair em cima do estrado do estúdio, não se ouvia o cair do meu peso depois de uma salto, era como se de repente a lagarta se tivesse transformado em borboleta que com doce voz está subindo ao céu. A música parou. Parei de dançar. A audição tinha acabado, e dali a uma semana sairiam os resultados. Corri para abraçar a minha mãe e dizer-lhe que tinha corrido tudo muito bem, até podia ter sido péssimo, que só a magia daquela música tinha tornado tudo perfeito!
Uma semana mais tarde, estava eu ainda na preguiça na minha cama, quando a minha mãe ligou a dar a noticia que tinha entrado no conservatório! Saltei da cama aos berros, tudo me veio à cabeça, a imagem das bailarinas naquele telejornal, as sapatilhas de ponta, as meninas no estúdio, o júri e sobretudo aquela música! Estava feliz, mais que feliz, o sonho tinha-se tornado realidade. Ia ser uma bailarina a sério.
Chegou o primeiro dia de aulas no conservatório. Levava as minhas primeiras sapatilhas de ponta na mala, muito bem protegidas, como se fosse um pote de ouro no fim do arco-íris que com doce voz está subindo ao céu. Passaram-se já sete anos desde o meu primeiro ano no conservatório. Neste momento estou a fazer algo que gosto muito, a estudar para arquitectura. O ballet foi um grande apoio na minha vida, mas há momentos na nossa vida que ou é mesmo aquilo ou então tem que deixar de ser. E foi isso que aconteceu comigo. Tive que deixar o ballet para prosseguir estudos, porque apesar do sonho da minha vida é ser bailarina, em Portugal não é possível, infelizmente. Hoje vejo o ballet como um refúgio. Quando estou triste, desanimada, à beira de desistir de muita coisa, basta olhar para as minhas primeiras sapatilhas de ponta, para os meus tutus cor de rosa e brancos guardados na gaveta, agora sem uso, para que aquela criança de quatro anos voltar a estar dentro de mim, voltar a dar luz à minha alma que com doce voz está subindo ao céu!!

Nadine de Rocha Vitorino, nº16 12ºA



Canto X
Com doce voz está subindo ao céu
Altos varões que estão por vir ao mundo,
Cujas claras ideias viu Proteu
Num globo vão, diáfano, rotundo,
Que Júpiter em dom lho concedeu
Em sonhos, e despois no reino fundo,
Vaticinando, o disse, e a memória
Recolheu logo a Ninfa a clara história.

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